Às vezes, tratamos de assuntos que são urgentes e novos, de cujo teor sentimos falta. Outras vezes, devemos aclarar coisas que já vivemos, mas sobre as quais sentimos necessidade de aprofundar elementos ou rever o caminho percorrido. Desde alguns anos, em torno do 21 de abril, considerado internacionalmente como "o Dia da Terra", movimentos e comunidades do campo, em toda a América Latina, organizam festas ligadas ao cultivo da semente nativa ou também chamada crioula.
Falar de semente é lidar com o cotidiano da vida, o mistério mais simples e, ao mesmo tempo, mais profundo da natureza. Quando, há dois mil anos, Jesus de Nazaré quis explicar aos seus contemporâneos como o projeto de Deus deveria se implantar no mundo, a primeira imagem a que recorreu foi a da semente: "Saiu o semeador a semear. Uma parte da semente caiu em terra boa, outra no meio da estrada..." (Mc 4). A semente é algo que traduz bem aquilo que une dois elementos aparentemente opostos: é algo que já está presente, mas, por outro lado, "ainda não" é a planta. É como uma criança já formada no ventre materno, mas ainda não nasceu. É semente.
As antigas tradições espirituais consideram a semente algo a ser venerado. Por causa da relação entre semente e parto, em muitas culturas tradicionais, as mulheres são as guardiãs oficiais das sementes, como sacerdotisas da vida contida em cada grão. Qual sacrário em um templo católico, as sementes são guardadas no pátio central da aldeia. Ninguém ligado a uma destas culturas pode imaginar uma semente sendo privatizada, como nunca aceitará que ela seja apenas um capital a explorar. Para as comunidades indígenas e camponesas, como para toda pessoa que em qualquer sociedade valoriza uma espiritualidade ecológica, cada semente viva é o resumo de toda a energia cósmica, da potencialidade da vida. A evolução permanente do cosmos, em um processo de criação incessante, é ali retratada como em uma espécie de filme inacabado. Há alguns anos, um famoso cientista inglês escreveu um livro que trata não apenas de sementes, mas do surgimento e da evolução do cosmos. Entretanto, ele deu a este livro um título muito sugestivo e indicador desta verdade: "o universo numa casca de noz" [2].
Infelizmente, para as empresas capitalistas e para a visão de mundo que elas divulgam, as sementes são apenas mercadorias a serem comercializadas. É com esta mentalidade que as multinacionais modificam o DNA das sementes, criam sementes transgênicas e as impõem ao mundo inteiro como mais resistentes às pragas e, portanto, mais lucrativas.
As pesquisas sobre os efeitos para a saúde humana e dos animais, provocados por uma alimentação baseada em sementes geneticamente modificadas não estão ainda concluídas. Há quem pense que as poderosas multinacionais interessadas no comércio dos transgênicos não permitem a divulgação mesmo parcial dos resultados. Por outro lado, cada vez mais a parte mais consciente da humanidade se organiza para que toda manipulação genética respeite a biodiversidade. A humanidade pode ser parteira da semente para ajudá-la a nascer, mas a vida que dela brota não é propriedade de nenhuma empresa e não pode contaminar as outras espécies. Ora, as sementes transgênicas acabam se impondo e destroem a variedade das sementes nativas. No Sudoeste da Ásia, os lavradores contavam com mais de dez mil variedades de arroz. Os agricultores selecionavam as próprias sementes. Hoje, depois que chegaram as multinacionais com sementes transgênicas, só existem na região cinco variedades de arroz. Esta é a tendência da agricultura mundial, se a sociedade civil não reagir.
Ao contrário desta invasão colonialista, a semente nativa, também chamada de crioula, tem nela inscrita a marca da presença e da resistência do povo da Terra. É símbolo de uma agricultura que persevera no cuidado com a vida da humanidade e da natureza. Entretanto, é mais ainda do que apenas sinal e símbolo. É instrumento da autonomia do lavrador que, através das sementes crioulas, não precisa depender das multinacionais com suas sementes de laboratório e seus defensivos agrícolas.
Nas religiões, existe uma coisa que se chama "sacramento". Algo para ser sacramento deve ser não apenas sinal, mas, ao mesmo tempo, instrumento eficaz da libertação e de vida. Em muitas culturas indígenas, o cachimbo da paz é sinal importante e instrumento de reconciliação. No Candomblé, comer juntos a comida do santo é mais do que simples refeição. É sacramento porque simboliza a comunhão com o Orixá. Do mesmo modo, mães de santo usam determinadas sementes de origem africana para saber o Odu, o misterioso caminho de cada pessoa e na festa da primavera (no Candomblé, é a festa das águas de Oxalá), cada pessoa tem um pano amarrado na cabeça, no qual está uma semente sagrada de Obi que, com a água será também oferecida ao Orixá. Isso significa que a semente é sagrada e nos revela qual é a semente interior do caminho que cada pessoa guarda na mente e no coração.
Conforme os Evangelhos, Jesus teve contato com os zelotas, um tipo de grupo revolucionário imediatista que queria mudar o mundo sem primeiramente educar o povo nem esperar que as condições históricas permitam a mudança. Jesus então contou a eles uma parábola que todo lavrador conhece por experiência: "O projeto divino (na linguagem de Jesus, o reino) é como um lavrador que planta a semente na terra. Depois disso, quer ele esteja velando no campo ou esteja dormindo, a semente, por sua própria força germina e cresce, sem que nem ele saiba como" (Mc 4, 26).
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