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sábado, 15 de março de 2014

História de Maria Navalha



Alguns diziam que ela era mulher de vida fácil, porém ela sempre trabalhou muito para sustentar seu irmão doente mental. Trabalhou no cais, nos mais diversos bares, botecos e Bin bocas que já existiu lá fez fama pelo seu temperamento rude e de difícil amizade, talvez, por sua vida humilde. Logo após nascer seu irmão houve complicações com o parto, vindo a falecer a Mãe, uma mulher doce e dedicada aos seus filhos e marido. O Pai, um militar muito severo, não conformado, rejeita o próprio filho e foi aí que Maria Regina das Dores, mais tarde chamada de Maria Navalha, se pôs: entre o Pai martirizado pela morte de sua amada e um filho que apresentava uma deficiência mental. Tudo isso a coagiu para uma vida de sofrimentos e angústias. Logo depois, o pai também se foi. Morreu de tristeza, pois não suportou a partida de tão doce mulher. Após seu falecimento, eles tiveram que se mudar para um lugar muito humilde. Então, Maria Navalha, com seus 14 anos, começa entender que a vida para as mulheres na década de 50 não era tão fácil assim. Trabalhou em casa de família, mas seu jeito meigo logo atraia os olhares maliciosos de Patrões sedentos de desejos e foi por um deles que ela acabou deixando-se seduzir. Com esse patrão, ela compartilhou 10 anos de sua vida, até que um dia ele se foi sem deixar nenhuma notícia. Ela que sempre foi contra a dependência, logo naquele momento voltava para a rua da amargura com seu irmão que sempre estava ao seu lado. Seu desvio mental em nada comprometia o carinho e afeto de irmão e amigo que ela sentia. Foram muitas as noites que ela se pegou chorando, sem ter o que comer, com fome e frio na rua. Até que um dia se mudaram para o porto, de onde sigo com minha história. Não demorou e logo arrumou um emprego de garçonete em um prostíbulo. Ela era tão assediada que as meninas que ali ganhavam sua vida vendendo seu corpo se incomodavam com aquela bela jovem que agora já tinha seus 25 anos. Em meio as várias pessoas que ali freqüentavam, apareceu, um homem negro, bem trajado, de terno de linho branco e com uma gravata vermelha que deixava um ar de conquistador. Ele, então, pediu uma bebida: “me da uma Bhrama de meia minha querida” - disse aquele homem que tremia os olhares enquanto esperava. Em seguida, sacou de seu bolso um baralho com que ficou a cartear em cima da mesa provocando o olhar de muitos ali naquele local. Não demorou muito, chegou o primeiro querendo saber o que mais do que boa pinta o nobre negro vestido tinha a oferecer. Então, ele tirou seu relógio e disse: “tenho isso”. Era um relógio ainda de corrente, muito bonito por sinal. E foi só com isso que ele depenou os pobres freqüentadores do local. Entre uma rodada e outra, seu olhar se virava para a Maria, doce, bela e bonita e ela correspondia com um sorriso de deboche, ao acabar com quase todos ali presentes e com o bolso cheio de “pataco” ele se levantou, como se é de costume e pediu uma Parati (pinga) para finalizar sua noite. Ele nunca passava das 03:00 da manha. Eram ordens expressas de uma vidente. Então, tomou a Pitu, uma pinga que lhe dava ânimo para chegar a sua morada. Antes de sair, agradeceu à Maria e se foi. Após algumas horas de sua partida, Maria, cansada por mais um dia de exaustivo trabalho, também foi se embora e ao passar por uma viela escura, um caminho mais curto, próximo a Av. Mem de Sá, se deparou com duas pessoas suspeitas, que tinham um olhar de maldade e cobiça. Nisso, ela apressou seus passos na tentativa de despistar aqueles homens estranhos. Quando ela sem esperar, outro homem a cerca entre as vielas, segura a em seu braço e lhe diz: “olá, bela moça. Vejo que me viu perder tudo que tinha nos bolsos para aquele homem de terno e não quero mais perder, pelo menos quero você agora como uma recompensa pelo pataco perdido. Também vi que dava risada da minha má sorte ao lado daquele negro malandro!”. Nesse instante, ela correu em direção ao outro lado da viela e lá estavam os dois que a estavam perseguindo. Sentindo–se sem salvação, começou a pedir para São Jorge, seu santo de devoção a quem sempre teve um grande carinho e fé, para que a socorresse. Como em um passe de mágica, mais do que depressa, veio aquele negro todo engomado, cheio de passos bonitos até pra andar e disse: “Boa noite seu moço, você diz que me conhece, tem razão de me conhecer, eu nasci de madrugada antes do dia amanhecer”. Em seguida, retirou do bolso da sua calça, uma navalha e como se fosse cortar um papel perfura o rosto do perdedor inconformado, que logo sai todo molhado com seu próprio sangue ruim e cheio de ódio. Os dois, mais do que depressa, também resolvem se retirar por medo ou por simplesmente vontade de não estar ali naquele nevoeiro que aumentava cada vez mais, fazendo o pavor crescer ainda mais. Ao se virar, Maria percebeu que a roupa branca do nego malandro estava cheia de sangue, resultado do corte do inimigo que tentara incomodar a bela mulher. Então, num intuito de agradecer ao seu belo herói, ela o convidou para que ele fosse pelo menos amenizar as manchas que estivera em sua nobre roupa e eles, assim, foram conversando, dando muitas risadas e ela cada vez mais seduzida e ele cheio de chamego pela bela moça. Ao chegar, ele retirou o paletó e ela começou a lavá-lo. Em seguida, deixou-o secar um pouco, porém, não houve sucesso na retirada de toda a mancha e eles começaram a beber. Ela tinha, não se sabe porquê, uma garrafa de coquinho que serviu a si e ao herói. Ele, cada vez mais sedutor, fazia-a dar altas risadas enquanto o irmão dela roncava em sono pesado, sem imaginar que tinha visita. De tanto beber, ela acabou adormecendo e ao acordar sentiu algo diferente em si mesma, como se estivesse mais ousada, mais capaz, mas forte. Ao se levantar, o belo homem já tinha ido sem deixar rastro, apenas um bilhete e a navalha em cima como apoio. No bilhete, ele dizia: “Obrigado por confiar em mim. Essa navalha nos une para todo o sempre e com ela vais cortar a injustiça, a maldade e a mentira. Saiba usar porque seu fio de corte está ligado diretamente ao seu coração saiba separar os bons dos maus e eu estarei sempre ao seu lado”. Seu olho se encheu de água com a partida do seu eterno herói, sem nem ao menos um beijo de despedida, nada, apenas aquela navalha. Logo ela que demorou tanto para se simpatizar com outro homem, mal isso tinha acontecido e já houve a separação. Conforme ele disse, ela fez. Sempre que precisava de ajuda, a navalha a ajudava, tanto que os homens e pessoas ruins a apelidaram de Maria Navalha. Não havia quem a não conhecia. Logo que a vida começou a melhorar, ela comprou um chapéu Panamá de fita vermelha igual ao do seu amado e usava sempre para todo lado que ia. Às vezes, achavam que ela gostava de mulheres, pois fazia uma cara de mau e brigava como um homem, mas na verdade ela sempre esperava um dia poder reencontrar seu grande amor.

Que a Divina Luz esteja entre nós
Emidio de Ogum
 http://espadadeogum.blogspot.com
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