O acaso ligou a trajetória do Sport Club Corinthians Paulista a São Jorge. Durante seus 90 anos de história, glórias e percalços, o Corinthians incorporou publicamente o estigma de time guerreiro, que jamais desanima e persegue incansavelmente seus objetivos, também atribuídos ao santo.
Associar as características das equipes corintianas à legendária história do santo guerreiro não foi uma árdua tarefa para imprensa e torcida paulistas. Mas o que poucos sabem é que estes dois símbolos de garra e obstinação foram unidos por uma coincidência histórica e não por suas semelhanças.
Durante seus primeiros 16 anos, o Corinthians conquistou cinco títulos paulistas (1914, 16, 22, 23, 24), mas sua reputação ainda não ia além dos campos de várzea do Bom Retiro. O alvinegro mandava suas partidas num modesto campo emprestado por um açougueiro do tradicional bairro paulistano.
Foi somente em 1926 que a emergente equipe do cenário do futebol municipal adquiriu sua sede própria. O terreno, localizado hoje no bairro do Tatuapé, ficava exatamente no extinto Parque São Jorge. Do antigo parque, nada restou, só o nome do pequeno estádio. Mas o clube resolveu adotar o santo como parte de sua história.
Mas há quem conteste esta versão. Segundo o monsenhor Arnaldo Beltrame, responsável pela capela do clube, São Jorge era o padroeiro do Corinthians Football Club, equipe inglesa que, em visita ao Brasil, inspirou o nome do Corinthians Paulista, em 1910.
Ainda conforme os relatos do monsenhor Beltrame, os fundadores do Corinthians brasileiro resolveram também adotar o mesmo padroeiro da fonte de inspiração inglesa.
As décadas se passavam, títulos eram conquistados e perdidos, e foi somente em meados da década de 60 que os dirigentes corintianos despertaram e lembraram de recorrer ao "santo guerreiro", antigo dono da morada do Tatuapé.
Entre os anos de 1954 e 1977, o Corinthians não conseguiu reforçar sua galeria de conquistas e a nação corintiana viveu os momentos mais duros de sua história.
Foi no início dos anos 60, já com o incômodo jejum de títulos martelando a cabeça dos corintianos, que a idéia de recorrer a São Jorge floresceu. A capela em homenagem ao santo foi erguida num privilegiado espaço do clube e a mística entre time e São Jorge ganhou mais força no período.
Em 1969, a capela abrigou um triste evento na história do clube. Dois promissores jogadores corintianos - Eduardo e Lidu - morreram em acidente de carro e foram velados à frente do altar de São Jorge. O lamentável incidente acabou reforçando a identificação entre clube e santo àquela época de absoluta carência de títulos.
Após a frustrante derrota no Campeonato Paulista de 1974 para o arqui-rival Palmeiras, o desespero do corintiano, envolto na agonia de 20 anos sem títulos, transbordava. Foi nesta época que o compositor Paulinho Nogueira gravou "Ai Corinthians", que emplacou sem dificuldade nas paradas de sucesso. Nos versos da composição dedicada ao sofrimento corintiano não poderia faltar a citação ao padroeiro São Jorge:
"...Oh, são 20 anos de espera. Mas meu São Jorge me dê forças, para poder um dia enfim, descontar meu sofrimento em quem riu de mim".
Este momento marcou o efêmero apogeu do relacionamento entre torcida corintiana e São Jorge. Depois da quebra do jejum de títulos, em 1977, os torcedores alvinegros trocaram o apego ao santo pelo auto-reverência. Os anos de sofrimento na fila (quando curiosamente o número de corintianos aumentou) tornaram a torcida alvinegra mais mítica do que qualquer outro símbolo. Foi nesta época que surgiu a expressão "Fiel torcida".
"O símbolo de São Jorge sempre foi uma coisa propagada pelo clube. A torcida nunca vestiu esta camisa. Isto é coisa das pessoas antigas de dentro do clube", afirma Dentinho, presidente da Gaviões da Fiel, misto de torcida organizada e escola de samba. Apesar de seu comentário, em 1991, a escola trouxe como enredo de seu carnaval o legado de São Jorge.
"Realmente o símbolo de São Jorge nunca caiu na boca do torcedor corintiano. Nos anos de fila, esta ligação entre o time guerreiro e o santo guerreiro foi bastante explorada. Mas não sobreviveu muito", afirma o jornalista Celso Unzelte, autor do "Almanaque do Corinthians", livro que contém as fichas de todos os jogos da história do Corinthians até 2000.
Depois de passar anos no ostracismo, São Jorge reapareceu na vida do torcedor corintiano em 1991, quando a equipe precisava vencer o Boca Juniors no Morumbi por dois gols de diferença, em partida válida pela Copa Libertadores.
A então presidente corintiana, Marlene Mateus, e seu marido, o folclórico Vicente Mateus, promoveram uma procissão nas dependências do clube no dia da partida. A iniciativa conseguiu a adesão de muitos torcedores, mas na mesma noite, a força dos guerreiros de São Jorge sucumbiu ao Boca de Batistuta. O Corinthians não passou de um empate em 1 a 1 com a equipe argentina e se despediu da competição.
São Jorge passou mais alguns anos na obscuridade e só voltou a freqüentar o cotidiano corintiano em 2000. Depois de vir de uma seqüência inédita de títulos - dois brasileiros seguidos e um mundial - o Corinthians entrou na pior fase de sua história.
Em maio de 2000, sob a gerência da empresa norte-americana HTMF, o clube resolveu adotar o profissionalismo total e cortou alguns elementos folclóricos de seu dia-a-dia. Pai Nilson, que dizia ter ligação direta com São Jorge e "prestava serviços" há anos para o Corinthians, foi demitido por recomendação dos diretores da HTMF. Coincidentemente (ou não), logo em seguida o Corinthians foi eliminado pelo Palmeiras da Libertadores, pelo Botafogo na Copa do Brasil e pelo São Paulo no Campeonato Paulista.
Depois, a equipe alvinegra foi derrotada dez vezes consecutivas e amargou a última colocação da Copa João Havelange.
Mas mesmo reconhecido por apenas alguns segmentos da vasta nação corintiana, São Jorge terá sua mística propagada pelo clube.
Que a Divina Luz esteja entre nós
Emidio de Ogum
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