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domingo, 1 de abril de 2012

Os Arquivos Secretos da Inquisição

Os Arquivos Secretos da Inquisição:


Baseado em documentos inéditos e pesquisas que revelam inúmeros segredos do Vaticano, a minissérie Arquivos Secretos da Inquisição foi destaque do The History Channel. A produção de quatro horas foi rodada na Itália, França e Espanha. A minissérie, com intervenções de especialistas, retrata as passagens mais obscuras de mais de 600 anos da Igreja Católica em sua luta para ser a exclusiva representante do Cristianismo no mundo. O especial aborda essa sangrenta história, dos arquitetos da Inquisição às vítimas de sua ira. Os episódios trazem opiniões de estudiosos como David Gitlitz (especialista em História Medieval), Stephen Haliczer (historiador), Charmaine Craig (escritor) e Joseph A. Di Noia (teólogo e reverendo).

A inquisição é um fato histórico, que deve ser considerado a despeito de seu aspecto religioso. E, por isso, pertence ao mundo, não podendo ser privilégio de arquivos secretos, ou de gavetas privativas, pois faz parte da própria história da humanidade, do homem e de seu aprendizado na trajetória evolutiva do tempo. As páginas da história, se não servem para outra coisa, bastam pelo que nos ensinam a não repetir os erros do passado e pelo que nos impelem a realizar em prol da construção do homem e do mundo. Por essa razão e para quem não teve a oportunidade de assistir ao documentário, preparamos um resumo sobre o assunto. Recordar é, pois, refletir, para nunca mais repetir.

A verdadeira história da Inquisição:

Inquisição, do latim Inquisitio, é um termo que deriva do ato judicial de inquirir, que significa perguntar, averiguar, pesquisar, interrogar. A Inquisição foi uma operação oficial conduzida pela Igreja Católica a fim de apurar e punir pessoas que não comungavam com os princípios ortodoxos da Igreja Católica.

A Inquisição foi um sistema de terror em massa, composto por cortes secretas. Tratava-se de uma instituição que ultrapassou fronteiras geográficas e históricas, indo da França medieval ao renascimento italiano.

A legislação do Inquisitio Haereticae Pravitatis Sanctum Officium ou Santo Ofício, como também era chamada, foi se tornando cada vez mais radical através da História. Em 1184, o Papa Lúcio 3º, formula um direito penal para punir indivíduos considerados “hereges” (pessoas que pensavam, ou agiam, de forma conflitante com o que a Igreja apregoava como verdade). Com base nesses postulados, autoridades e leigos, ficaram obrigados a denunciar os hereges sob pena de confisco de suas propriedades. Em 1199, o Papa Inocêncio 3º tipifica a heresia como crime de lesa majestade, ou seja, um delito contra a autoridade do monarca. Durante o pontificado de Inocêncio 3º as trevas predominaram.

Com um Exército de cerca de trinta mil soldados, convocados por ele, dentre mercenários e vadios, o sul da França foi invadido, instalando-se ali uma guerra que duraria quatro décadas, morrendo um número inestimável de crianças e inocentes. Seu objetivo era reconhecidamente político e não o de preservar a fé. Considera-se que foi um dos Papas mais corruptos e voltados para os valores mundanos.

Posteriormente, em 1209, a História registra o assassinato de 7.000 pessoas que foram queimadas vivas dentro de uma igreja local, acusadas de heresia, na cidade de Béziers, na França.


Mais adiante, o Papa Gregório IX, o mesmo que canonizou Francisco de Assis, Santo Antonio de Pádua e São Domingos de Gusmão, criou, em 1233, o Santo Ofício da Inquisição, através da Bula Licet ad Capiendos, com o que pretendia reprimir as doutrinas heréticas, ou seja qualquer movimento pensante que fosse considerado afronta à visão oficial do Catolicismo. Mediante essa Bula, Gregório confere aos dominicanos a tarefa de erradicar a heresia. Do temido e sombrio documento, constou: “Onde quer que os ocorra pregar estais facultados, se os pecadores persistem em defender a heresia apesar das advertências, a privá-los para sempre de seus benefícios espirituais e proceder contra eles e todos os outros, sem apelação, solicitando, em caso necessário a ajuda das autoridades seculares e vencendo sua oposição, se isto for necessário, por meio de censuras eclesiásticas inapeláveis".

Nascia ali, de forma institucionalizada e escancarada, séculos de perseguição, interrogatórios e punições cruéis a quem divergisse do pensamento religioso dominante, a temida Inquisição. Nesse mesmo ano de 1233, Roberto el Bougre, designado Inquisidor, promoveu saques e execuções em massa, e, após dois anos, foi promovido a responsável pela Inquisição em toda a França. Em 1252, o Papa Inocêncio IV assinou a Bula "Ad Extirpanda", que consagrou definitivamente o temido Tribunal Eclesiástico da Inquisição, autorizando o uso da tortura e da barbárie. O Poder institucional do Estado era obrigado a colaborar com esse Tribunal da Igreja. Os inquisidores - pessoas encarregadas de investigar e denunciar os hereges – desfrutavam de padrão cultural de excelência, pois eram doutores em Teologia, Direito Canônico e Civil. Caso julgasse necessário, os inquisidores tinham o poder de exigir que as autoridades civis, sob juramento, defendessem a Igreja contra a maldade herética. O padre Bernardo, jesuíta, foi um nome que muito se destacou nessa ação inquisitorial inicial, por ser, como Inquisidor, na Região francesa de Touluse, implacável com suas vítimas.

No início dos anos 1300, na pequenina aldeia de Montaillon, no sul da França, vivia um povo que se cansava de pagar pesados tributos e multas ao poder dominante da Igreja Católica. Os padres se preocupavam mais com a colheita de impostos do que com outra coisa. Nesse tempo a Igreja era considerada a guardiã da palavra de Deus. Em meio a esse contexto, brotou uma semente reformista de reação, chamada catarismo, ou seja um movimento religioso rebelde que foi imediatamente identificado pela Igreja como herético.

O catarismo se espalhou, a ponto de ameaçar o poder papal e nesse tempo qualquer afronta à Igreja era considerado um ataque ao Governo que, por sua vez, protegia a segurança dos Papas. Em Montaillon ficou muito conhecido um padre que se tornou famoso na História por sua devassidão moral, pois escondia permanentes e múltiplos amores nos recantos sombrios de sua paróquia sacerdotal. Padre Pierre que vivia simpaticamente entre os Cátaros, um dia achou simplesmente, como confidenciaria mais tarde, que estava perdendo seu poder sacerdotal na Região e acabou traindo os habitantes da pequena aldeia, que tanto o estimavam, pois serviu de elo de comunicação para que a impiedosa reação da Inquisição chegasse à Montaillon. Dezenas de famílias foram condenadas e obrigadas a usar a cruz amarela que tanto denegria o usuário condenado.


Em 1318, surge a figura sombria do padre Jacques Fournier, que fora bem educado na Universidade de Paris, onde recebeu doutorado em teologia, mas que, nem por isso, teria qualquer compaixão com quem interpretasse o catolicismo diferente dele. Fournier acabou descobrindo que Montaillon estava literalmente seduzida pelo pensamento herege e lá reabriu a Inquisição. Intimou homens e mulheres aos interrogatórios cruéis. Os escribas anotavam, com rigor, todos os depoimentos dos aldeões. A vida das pessoas era invadida sem qualquer parcimônia. Beatrice, amante do padre Pierre, ficou presa, à pão e água, na Torre da Aldeia.

E note-se que entre os Inquisidores de seu tempo, Fournier foi considerado um dos mais complacentes, pois somente queimou cinco hereges. Em 1327, esse Inquisidor se tornou Cardeal e, sete anos depois, foi eleito Papa, tomando o nome de Bento XII. Sua obra maior: o suntuoso Grand Palais.

Uma das vítimas de Fournier fora um coitado judeu viajante, preso durante a noite sob os berros dos inquisidores: “sejam batizados, ou mataremos imediatamente”. Claro, ele preferiu o batismo. Esse judeu, inteligente e culto, fascinara Fournier, com ele debatendo durante quase dois meses e tudo fazendo para torná-lo cristão, mas o velho judeu preferiu permanecer como pensava. Fournier, então, deu o ultimato. Converter-se, ou morrer, uma terrível palavra de ordem que atravessou os séculos.


Em 1376, o Inquisidor Nicolau Eymerich, formulou o "Directorium Inquisitorum", que era o Manual dos Inquisidores, onde constavam regras inenarráveis sob o ponto de vista de crueldade. O Manual informava ao Inquisidor 50 artimanhas de que se valia o demônio para impedir o ato sexual, provocar impotência ou ensejar práticas abortivas. De lá vieram inspirações as mais draconianas: "És capaz de lembrar da tua confissão ontem, ou anteontem, sob tortura? Então, agora, repete tudo com total liberdade". E a resposta era anotada. Se o acusado não ratificasse a afirmação, era submetido a novas sessões de tortura.

Em 1394, os padres já exigiam a conversão dos judeus. No século XV, a comunidade judaica vivia em guetos. Quando “convertidos”, passavam a incomodar os antigos cristãos com seus prósperos negócios. Não havia quem entre os “convertidos” que não fosse tomado de medo, pois temia sofrer qualquer tipo de discriminação e violência.


A Caça às Bruxas: 

Em 1484, o papa Inocêncio III emitiu a bula papal que estabeleceu o "Malleus Maleficarium", (O Martelo das Feiticeiras), um manual operacional da Inquisição, no qual as mulheres eram especialmente visadas para perseguição como prováveis bruxas, muitas vezes pobres mulheres velhas que não apresentavam boa aparência, e que costumeiramente eram acusadas por todos os males que açoitavam a Europa. A condenada era despida e forçada a engatinhar, diante da multidão, para uma gaiola onde ela era colocada para depois ser pendurada para todos verem. Outras simplesmente eram acusadas por algum desafeto e, visto que a acusação era equivalente à culpa, a pobre mulher podia esperar uma morte lenta sob tortura nas mãos dos sacerdotes.

Embora a maior parte das execuções fosse realizada publicamente, a tortura para obter as "confissões" era realizada em recintos secretos, normalmente em um calabouço em uma igreja, especificamente projetado para a tortura. Nesse ambiente, as mais jovens e belas, não raro, sofriam abuso sexual por parte dos inquisidores durante a Inquisição.

O "Malleus Maleficarium" declarava que as bruxas têm uma "marca do Diabo" (um terceiro mamilo), em algum lugar do seu corpo. Isso exigia que o sacerdote investigador fizesse uma inspeção minuciosa no corpo nu da pobre mulher. Essa inspeção era freqüentemente realizada em meio a um grupo de homens que agiam como voyeurs, que ostensivamente eram convidados a testemunhar essa "inspeção" por causa de seu “ofício religioso”! Nas temidas cortes da Inquisição, as sentenças de morte eram executadas das mais variadas formas. As vítimas eram flageladas e mutiladas pelos torturadores, tinham a carne dilacerada e os ossos quebrados para depois serem queimadas vivas em fogueira de lenha verde para que a agonia se prolongasse.


O Caso Joana D'Arc:

Joana D'Arc nasceu em Domrémy, na atual província de Lorena, em janeiro de 1412. Sua terra foi devastada pela Guerra dos Cem Anos, um conflito dinástico com a Inglaterra que começou em 1337. Foi educada para as prendas domésticas tradicionais e, às vezes, pastoreava as ovelhas. Aos 12 anos, começou a ouvir vozes sagradas, que primeiro lhe falaram da necessidade de manter a virgindade, para a salvação da alma. Depois, a mensagem tornou-se mais específica. Ela devia coroar rei o delfim e salvar a França dos ingleses.
vivas em fogueira de lenha verde para que a agonia se prolongasse.

Convenceu o senhor local a apresentá-la ao rei, e ao soberano pediu que a autorizasse a participar do levante do sítio de Orleans. Equipada com armas e homens partiu para o ataque e, pela primeira vez em longo tempo, os franceses saíram vitoriosos da batalha. Joana coroou o delfim na cidade de Rheims. Mas sua sorte militar não durou muito. Logo, ela travou uma série de batalhas perdidas, que terminaram em sua captura pelos borgonheses, cujo duque, parente do rei da França, se aliara aos ingleses. Foi vendida aos ingleses, julgada por eclesiásticos franceses e em 1431, aos 19 anos, morta na fogueira da Inquisição.


O Santo Ofício na Espanha:

Em 1478, os tempos já eram outros na Ibéria. A Inquisição e suas filhas cruéis, a tortura e a morte, era uma realidade na Espanha, instituída por Bula do Papa Sixto IV. O terror irradiava por todo canto e a tolerância desaparecera do cenário espanhol. Fernando de Aragão e Isabel haviam se casado e, com isso, reuniram os Reinos de Castella e Aragão.
 

Eles não concordaram que a Inquisição espanhola fosse administrada por Roma, pois nesse País os nomes eram apenas aprovados pelo Papa, mas quem indicava era o monarca espanhol. Assim sendo, em 1483, Sixto IV nomeou o monge dominicano Tomás de Torquemada para as funções de Inquisidor Mor de todos os territórios de Fernando e Isabel. Esse dominicano era de uma crueldade sem limites. Estima-se que ele torturou e condenou à fogueira aproximadamente dez mil pessoas. Torquemada é considerado um dos grandes genocidas da Humanidade. Segundo fontes históricas, o Papa Alexandre VI, pensou em destituí-lo de suas funções, mas teria desistido por exclusiva consideração à corte espanhola.


O Caso Cinta Cacavi:

Cinta Cacavi, uma judia, fora denunciada por sete testemunhas. Era considerada uma infiel. E, por isso, o inquisidor determinou sua tortura, que era admitida como forma de obter confissão, desde que prevista pelo Manual da Inquisição. Assim sendo, Cinta Cacavi foi queimada, com os pés amarrados, tendo os inquisidores o cuidado de cobrir o crucifixo para “não assistir” (ou “não ouvir”) os gritos de dor da sentenciada. A tortura foi tão cruel que a Corte acabou ouvindo o que queria: “sou cristã”. O clima de denuncismo imperava, com parentes e vizinhos se acusando uns aos outros. Quando o fogo era aceso, tinha que arder até que os judeus presentes estivessem todos mortos e não existisse mais ninguém atacado pela “lepra da heresia”. Assim era o pensamento inquisitorial dominante.

Em 1485, o inquisidor Pedro Arbus morreu assassinado, justamente ele que fora declarado santo quatro séculos depois. Pelo assassinato de Arbus, depois de buscas e inquéritos implacáveis, mais de sessenta acusados foram condenados e atirados à fogueira.


O Caso do Frei Baldo Lupertino e do Estudante de Pádua:

A reação começava a se constituir espontaneamente. O monge alemão Martín Lutero lançaria, mais em seguida, a Reforma Protestante, desafiando o poder que emanava de Roma. O fascínio dos Papas pelos valores transitórios do mundo e pela bonança financeira, indignavam o monge alemão. O padre Baldo Lupertino, que era franciscano, também já demonstrava idéias independentes, que se harmonizavam com os ideais de Lutero, dizendo que o Papa era apenas o Pastor de sua própria Igreja. “Acredito na verdade contida nas Escrituras, mas não na autoridade do Papa, que é um ser humano como outro qualquer”. Nesse tempo papas, cardeais e bispos viviam cercados de luxo, mais preocupados em questões políticas e financeiras do que nos verdadeiros valores espirituais.

Leão X assumira o seu Pontificado totalmente seduzido pelos prazeres do mundo. “Uma vez que Deus nos conferiu o nosso pontificado, vamos aproveitá-lo”, disse ele sem qualquer escrúpulo. Leão X (1513/1521) dedicava seu tempo às artes, às festas, à caça e ao teatro. Sua corte era abastecida por banquetes regados às melhores bebidas finas. As delícias do mundo anestesiavam incontrolavelmente o poder daquele Pontífice. Uma única preocupação marcaria seu reinado: a reforma da Catedral de São Pedro, o projeto mais ambicioso de Leão X, que levaria a Igreja ao fundo do poço. Para resolver a situação financeira difícil que criou, Leão X passou a vender indulgências (perdão comprado pelos católicos medievais, que ficavam isentos das penas temporais por pecados cometidos contra Deus).

A única providência desse Papa contra Lutero foi simplesmente excomungá-lo, em 1521. Mas toda a devassidão moral que imperava na Corte papal não era compartilhada pelo Bispo Giovanni Pietro Carafa, que fora embaixador do Vaticano na Espanha, onde observou a eficiência da Inquisição contra dissidentes, como Lutero. E passou, em Roma, a sonhar com a mesma coisa. Assim sendo, Carafa passou a liderar um grupo de monges que se voltaria contra Lutero e os inimigos da então mais poderosa Religião da Terra.

Em 1529, a cidade de Veneza já estaria contaminada pela disseminação da heresia protestante. O padre franciscano Baldo Lupertino liderava a conspiração das idéias. Pregava para o público com independência, a reforma, afirmando que ninguém precisava do clero para falar com Deus, pois achava que esse contato deve ser direto.

Sobre o sacramento da confissão, dizia: “somente Deus perdoa e sem uma confissão sincera e arrependida a Ele, nenhuma confissão será válida, nem ao Papa”. Por isso, esse prelado dissidente tornou-se o alvo da vingança do Bispo Carafa. Por sua vez, outro reduto de hereges era a Universidade de Pádua, próximo a Veneza, famosa pela liberdade das idéias e por seu primor acadêmico.

Não demorou muito e um participante da comunidade denunciou Frei Lupertino em Roma. Nessa altura o Bispo Carafa já era Cardeal, com grande prestígio no Vaticano. Valendo-se dessa condição, fez a cabeça do Papa Paulo 3º, dizendo que era necessário exterminar a heresia protestante que crescia incontrolavelmente. E seu remédio para salvar Roma e a Península itálica não era outra: a Inquisição. E assim aconteceu. Com a construção de câmaras de interrogatório e celas de prisão, próprias do processo inquisitorial. Nem mesmo o pai de Carafa seria poupado, caso dele discordasse na fé: “se ele se tornasse um herege, eu armaria a fogueira para dizimá-lo”, dizia, sem escrúpulo, o impiedoso Cardeal. E a Inquisição tomava conta da Península.


Em Veneza, o dissidente Frade Lupertino, seria a primeira vítima do Cardeal Carafa. Preso, foi levado ao Tribunal da Inquisição, em 1542, onde manteve as idéias dissidentes que o fizeram réu. O enviado do Papa queria a execução exemplar do acusado, amarrando-o na Praça de San Marco e queimando-o para que suas cinzas fossem atiradas ao mar “pela honra e glória do Cristo”. Mas, para não ensejar repercussão nos negócios da cidade, preferiu-se o aprisionamento de Frei Lupertino por tempo indeterminado, permanecendo ele no cárcere por quatorze anos, até que o Papa Paulo IV - nome que o Cardeal Carafa assumiu ao ser eleito Pontífice – requereu a execução pública do prelado, o que foi vetado pelas autoridades de Veneza, e, em conseqüência, o padre acabou sendo atirado ao mar, às escondidas, na calada da noite, com uma pedra amarrada ao pescoço.

Em 1555, com o Inquisidor cardeal Carafa proclamado Papa, com o nome de Paulo IV, a Universidade de Pádua logo entrou na mira ensandecida do Pontífice, que determinou a expulsão de todos os hereges. Um estudante de Direito, de apenas 24 anos de idade, tornou-se também uma vítima derradeira, que bem ilustra essa investida ação papal. Intimado, o estudante compareceu ao Tribunal, onde manifestou em sua defesa o direito de expressar livremente suas idéias, enquanto estudante universitário de Pádua. “A Igreja se desvia da Verdade”, acusou ele, recusando-se a abjurar. Foi condenado à prisão e, depois, executado publicamente na Piazza Navona, mergulhado num barril de óleo fervendo, piche e água raz, onde sobreviveu por quinze minutos sob sofrimento atroz.


A Inquisição em Portugal e no Brasil:

A Inquisição foi instituída em Portugal no ano de 1536 e somente terminou em 1821. O primeiro auto-de-fé foi assinado em 20 de setembro de 1540 na capital, Lisboa. Aproximadamente 70 mil portugueses foram condenados pelo Tribunal do Santo Ofício. Destes, mais de trinta mil foram "purificados pelo fogo". Os que não eram destinados à fogueira normalmente eram exportados para o Brasil-colônia, onde cumpriam pena.

Informam os historiadores que os Tribunais da Inquisição nunca foram oficialmente instalados em terras brasileiras. Entretanto, afirma-se que o clero detinha poderes inquisitoriais. Os vigários fiscalizavam a população, informando para as autoridades eclesiásticas comportamentos considerados suspeitos de heresia. Por sua vez, os bispos tinham autoridade para determinar prisões, confiscar bens e transferir suspeitos de heresia para julgamento em Lisboa. Segundo a historiadora Anita Novinsky, numa entrevista que concedeu no Rio, “tivemos um Tribunal do Santo Ofício, que atuou no Brasil durante 285 anos, sobre o qual não conhecemos nada”.


A Perseguição aos Judeus:

Durante a atuação impiedosa do ex-cardeal Carafa, depois Papa Paulo IV, considerava-se que “nenhum Tribunal trabalhava melhor pela obra de Deus”, do que a Corte da Inquisição.

Mas o fato é que Paulo IV também fora implacável com os judeus. A Bula papal que esse Pontífice emitiu, em 1555, instalou o desassossego e o pavor entre a comunidade judaica, que passou a ser confinada em guetos, somente podendo sair de lá com permissão especial. Milhares de manuscritos judaicos foram atirados à fogueira. Qualquer livro hebraico estaria proibido. O Talmude (compilação de leis judaicas) passou a ser considerado “livro perigoso”.

Mas como não há mal que não tenha fim, chegou o dia 18 de agosto de 1559. Paulo IV se encontrava em seus últimos momentos no Planeta. À meia-noite ele mandou chamar seus cardeais e a eles confiou o prosseguimento da Santa Inquisição “em nome de Jesus Cristo”. Não obstante, logo após seu último suspiro, a população de Roma eufórica, invadiu as ruas da “Cidade Eterna” para comemorar o fim do martírio imposto por aquele implacável Pontífice. As prisões foram abertas e os condenados soltos.

Mas a sombra de Paulo IV ainda permaneceria viva por muito tempo, pois deixara como seu legado uma lista de livros proibidos, que ficou conhecida como: “Index Librorum Prohibitorum”, (índice dos livros proibidos) criado “para evitar a corrupção dos fiéis”. E por causa disso, os livros somente poderiam ser editados na Itália com aprovação prévia. As idéias e informações eram restritas, mediante controle rígido do pensamento.

Em 1606, quase toda a população de Veneza chegou a ser excomungada pelo Papa, a evidenciar a expansão das doutrinas dissidentes.


A Perseguição aos Templários:

Os Templários eram membros de uma ordem religiosa de monges guerreiros e Jacques DeMolay foi seu 23º e último Grão-mestre. Os Cavaleiros do Templo, como também eram chamados, foram durante muito tempo, motivo de orgulho para a Igreja Católica até que no dia 13 de Outubro de 1307 (a sexta-feira 13) o rei Felipe IV da França convocou o comparecimento de todos os templários da França ao seu castelo. Quando lá chegaram, foram todos encarcerados em masmorras e submetidos a torturas para se declararem culpados de heresia, após a investigação dos interrogatórios, Felipe o Belo, mandou prender Jacques DeMolay e alguns altos dignitários da Ordem. Ao ver que o processo estava ficando fora do seu controle e que a absolvição da ordem poderia ocorrer, o Rei Felipe IV, desfere o golpe final para que a questão templária fosse terminada, ordena o rapto de Jacques de Molay e de Geoffroy de Charnay, então sob a custódia da comissão de bispos da inquisição, e ordena que ambos sejam queimados na fogueira na Ile de la Cite, pouco depois das vésperas em 18 de Março de 1314. Com isso Jacques DeMolay passou a ser conhecido como um símbolo de lealdade e companheirismo. Ele preferiu morrer a entregar seus companheiros. E por esse motivo a Maçonaria veio a fundar a Ordem DeMolay em respeito e este herói templário.


A Perseguição à Maçonaria:

A Bula Papal Humanum Genus foi escrita por Leão XIII e promulgada em 1884 em meio às grandes revoluções burguesas da Europa do século XIX, que suprimiram todas as terras da Igreja e criaram Estados Laicos em toda a Europa e estes se espalhavam por todo o mundo. São apenas 15 páginas que condenam vigorosamente não apenas a Maçonaria, mas toda e qualquer associação ou organização de seres humanos alheia à Igreja Católica Romana (Protestantes, Judeus, Muçulmanos, Espíritas, Budistas, Positivistas, Socialistas, etc, etc, etc.) Fora da Igreja Católica Romana Leão XIII, o primeiro papa na história que não é rei, nem coroa rei algum, somente enxergava escuridão, pecado e erro. Desde então, a Maçonaria declara em seus preceitos que: “A inquisição não está morta, apenas dorme”.


Napoleão, o grande adversário da Inquisição:

O Imperador francês Napoleão Bonaparte fora, com efeito, o grande adversário dos papados inquisitoriais. Ele era o maior defensor da separação entre a Igreja e o Estado. Ao conquistar o norte da Itália, em 1796, Napoleão baixou atos determinando que os guetos judaicos fossem imediatamente liberados e se tornassem livres. Em Madri, em 1808, Napoleão extinguiu a Inquisição. Libertou homens e mulheres que estavam acorrentadas, onde “só demônios poderiam gerar os instrumentos de tortura encontrados”, como afirmou uma testemunha da época. Os documentos que comprovavam os horrores da perseguição religiosa espanhola viriam a ser examinados e organizados pelo Secretario Geral da Inquisição de Madri, servindo de legítimo embasamento histórico.

Em 1810, os ideais de Napoleão no sentido de submeter o poder papal a degradante humilhação estava próximo de tornar-se realidade. Os documentos da Inquisição foram coletados, com ordem do Imperador de seguir para Paris. Cerca de 3.000 caixotes contendo arquivos, sentenças, pronunciamentos doutrinários e peças de interrogatório foram conduzidos para a capital da França. Tais documentos eram a prova de que necessitava Napoleão para desencantar os italianos diante da Igreja Católica e de seus Papados. Lá estava o julgamento de Galileu com seu argumento impecável: “E se amanhã for comprovado definitivamente que a Terra gira em torno do sol, como ficará a posição atual da Igreja?”.

Mas o fato é que após a derrota de Napoleão veio a reviravolta. Em 1814, na Espanha, quem acompanhou a França durante a ocupação seria executado e os hereges teriam a língua perfurada por uma barra quente de ferro, conforme anunciava a Corte. A vingança oficial grassava. Após a morte de Napoleão, os Estados papais ainda mantiveram os horrores da Inquisição por mais quatro décadas.


O Caso Edgardo Mortara: 

O que precipitou o fim da Inquisição, nos meados do século XIX, foi o rumoroso caso do menino Edgardo Mortara que pertencia a uma família judia e fora batizado secretamente por uma babá, à revelia dos pais. Naquela época, os judeus ainda viviam em guetos e não lhes era permitido freqüentar universidades, viajar, ou se relacionar com cristãos, tudo segundo as leis do Santo Ofício. Em 24 de agosto de 1858, a polícia do Papa seqüestrou o pequeno Edgardo Mortara porque ele se tornara “propriedade da Igreja” visto que “uma norma papal fora descumprida”, segundo a justificativa do Oficial responsável. O menino foi arrebatado da mão dos pais, passando o Oficial condutor apenas um recibo, sem dizer para onde ele seria conduzido. Nessa época eram comuns os seqüestros de crianças judias pela polícia papal.

Depois de percorrer, em vão, uma longa via crucis, o pai do menino Momolo Mortara teve seu apelo desesperado atendido pelo Papa Pio IX e pode ver o filho, com restrições. Prometeram ao Sr. Mortara o direito de viver com o filho se ele se “convertesse”. Mas Mortara persistia em seu desespero e não descansava. Enquanto isso, o caso ganhava cada vez mais espaço na imprensa de então.

O momento era grave para a História da Igreja, pois o movimento pela unificação da Itália ganhava força. O Exercito austríaco, que garantira a segurança dos impérios papais durante dois séculos e meio, viu-se obrigado a deixar a Itália. E a segurança de Pio IX e de sua Corte ficou literalmente entregue à própria sorte.
 

Em 1860, o sacerdote inquisidor, padre Feletti, que fora responsável pelo seqüestro do menino Edgardo Mortara, era preso pela antiga Polícia Papal, agora fiel ao novo Governo civil. Feletti foi processado por seu ato criminoso de seqüestro, mas, nem mesmo assim, o garoto foi devolvido ao pai. Pio IX, por sua vez, em carta que endereçara ao jovem, tempos depois, diria, segundo registros históricos: “Eu adquiri você em nome de Jesus Cristo, por um alto preço e ninguém demonstrou preocupação comigo, pai de todos os fiéis...” 

Em 1870, o Exercito italiano pôs fim aos reinos papais, restringindo os domínios de Pio IX a 40 hectares de terra, onde estavam os prédios do Vaticano. Não teria sido, pois, em vão que a Santa Sé relutou, até 1929, para reconhecer a Itália como Estado soberano. E derradeiramente o menino Mortara nunca mais voltaria para a família. Ele tentara insistentemente convencer seu pai sobre “as verdades da Igreja”, tornando-se monge de uma abadia belga, onde se entregou durante o resto de sua vida à oração e à contemplação.

Se a Igreja Católica ganhara a batalha do menino que seqüestrou das mãos dos pais, o mesmo não se poderia dizer a respeito da rígida Doutrina que impôs como única e verdadeira do mundo, durante aproximadamente quase 1000 anos. Os novos tempos chegaram e o mundo evoluiu, não mais admitindo reinados religiosos que sejam considerados indevidamente supremos donos da verdade.


A Inquisição na Atualidade:

No ano de 1908, o Tribunal da Santa Inquisição, foi transformado pela Santa Sé em Congregação para a Doutrina da Fé, e não mais ameaçaria a liberdade de crença no mundo, hoje garantida por quase todas as Constituições dos Estados modernos e livres. Em 1981, Josef Ratzinger (o atual Papa Bento XVI), nomeado para chefiar a Congregação para a Doutrina da Fé, ratificou esse compromisso prometendo lutar pela união de todos os credos através do Ecumenismo (união na convergência e respeito na divergência), um princípio sagrado inaugurado pelo saudoso Pontífice João XXIII, o Papa que trouxe luzes sobre as trevas medievais.

No ano de 2000, o falecido Papa João Paulo 2º, falando como soberano Pontífice da Igreja Católica Apostólica Romana, num evento penitencial solene e sincero, pediu formalmente desculpas ao mundo pelos “dramas relacionados com a Inquisição e pelas feridas deixadas na memória da humanidade”. O Pontífice também pediu oficialmente perdão a Deus, “em nome da Santa Igreja”, diante dos pecados cometidos pela Instituição desde a sua fundação há dois mil anos. 

O gesto, sem precedentes na História da Igreja Católica, ocorreu na Basílica de São Pedro, em Roma, durante a Missa do primeiro domingo da Quaresma. Segundo a imprensa da época, sete confissões de culpas foram formuladas por sete dignitários da Cúria Romana, seguidas de sete pedidos de perdão pelo próprio Papa. Também se registrou uma confissão geral pelas culpas do passado e um pedido formal de perdão pelos “erros cometidos a serviço da verdade por meio do uso de métodos que não têm relação com a palavra do Senhor"; pela separação dos cristãos; pelas perseguições impiedosas aos judeus; pelo desrespeito às culturas e religiões de todos os povos; e, finalmente, um “mea culpa” pelas longas e reconhecidas violações dos direitos humanos.

Estima-se que 75 milhões de pessoas foram chacinadas pelo “Santo Ofício”, enquanto que milhões de outras foram intimidadas, torturadas, e mulheres forçadas a manter relações sexuais com os sacerdotes executores da Inquisição. Os defensores do “Tribunal do Santo Ofício” alegam que a Igreja, qual uma “mãe zelosa”, teria o direito de castigar seus filhos para protegê-los das “más companhias”. Contestam os números apresentados dizendo que não foram tantas vítimas assim. No entanto, se somente um ser humano tivesse sido assassinado nas fogueiras da inquisição, ainda assim, seus atos não seriam justificados.

Salientamos que este artigo não tem por intuito despertar revanchismos, ao contrário, conclamamos todos a refletir nas seguintes palavras do Mestre Jesus: "Porque, se perdoardes aos homens as suas ofensas, também vosso Pai celeste vos perdoará; se, porém, não perdoardes aos homens as suas ofensas, tampouco vosso Pai vos perdoará as vossas ofensas". (Mateus 6:14-15)


Pesquisa e Ilustração: Ir Daniel Martina


Que a Divina Luz esteja entre nós
Emidio de Ogum
http://espadadeogum.blogspot.com
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